segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Pobres crianças ricas

















Entardecia,o céu de um vermelho cor de fogo parecia arder em nossos olhos, como era lindo o pôr-do-sol! A mãe à porta, cinta na mão ,chamava bem bem alto sem se importar se importunava a vizinhança, afinal todas as mães estavam gritando ao mesmo tempo: meninos passem pra dentro!
Era quase inevitável não procrastinarmos a também inevitável entrada. Como era bom brincar...
nossos tão humildes brinquedos feitos de varinha de arbustos, madeiras velhas sobre latas de leite, uma bola murcha para brincar de queima, um lencinho da vovó para brincar de cabra-cega, bolinhas de gude, capuxetas de jornal....tudo tão perfeitamente pobre e extremamente criativo. Às vezes uma corda velha encontrada no quintal, um pedaço de giz ou tijolo de barro, com o qual delineávamos geometricamente quadrados quase perfeitos que formavam uma amarelinha. Brincávamos de pega-pega, boca de forno, pula-mula, mãe da rua, de passa anel com aqueles aneizinhos que vinham de brinde nos chicletes...de restaurante era formidável, preparávamos comidinha de barro e de mato, afinal verdura no prato era imprescindível, e os bolos, bem batidinhos, dava até vontade de comer de tão apetitosos que se apresentavam.
E as cantigas de roda! Até hoje não sei quem inventou e como conseguiram transmitir todas elas ao pé-da-letra de geração em geração. Ai que medo que se percam!
Ah, a entrada, direto para o banho as pernas ardiam e coçavam de tanto que a tínhamos esbarrado no mato, e quando escapava um xixizinho, então... entramos enlameados, barrentos, cabelos esvoaçantes, totalmente em desalinho, roupas rasgadas, remendo na certa! As mamães, sempre muitos austeras, panelas a chiar no fogo, promessa de um jantar quentinho e gostoso. Nem sempre tinha carne não, mas o arroz e o feijão jamais faltava, às vezes uma polentinha com um franguinho cozido. Que delícia! Ou sopa de letrinhas. Papai chegando para jantar também. Que bom!
Pronto, roupa limpinha, cabelos penteados, cheiro de talco no ar...agora era hora de pegar a bruxinha de pano e brincar. Não tínhamos bonecos fabricados que falavam ou eram articulados...só nossas bonequinhas de pano, geralmente feitas de retalhos, mas tão aconchegantes. Não as trocaria por nenhum brinquedo eletrônico. Os meninos preferiam seus carrinhos, daqueles de plásticos comprados na feira, sem controle remoto, claro.
Éramos felizes, a nosso modo, pois éramos verdadeiramente crianças. Totalmente alheios aos tormentos da vida adulta, não sabíamos o que significava empreendedorismo e não éramos consumistas, pois para nós não importava qual marca tinha nossa roupa, apenas dormíamos sonhando em acordar no outro dia, brindar um lindo nascer do sol e recomeçar tudo de novo. Brincar, brincar e brincar.
Nem por isto deixamos de nos tornar adultos responsáveis e conscientes, pais e mães de família maduros.
Sinto por nossas crianças de hoje. Pobres crianças ricas, que ficam depositadas em escolas integrais, pois suas mães gastam o dia todo entre trabalho e trânsito e não tem mais tempo de chamá-las para dentro. A janta gostosa acabou, mas sempre tem um fast-food para fornecer um hambúrguer gostoso para complementar suas vidas sedentárias. Em casa, para se divertir não falta um computador ou um vídeo game com seus jogos violentos, tudo muito caro, pois hoje são todas muito ricas. Ganharam riquezas e junto com ela uma grande solidão, uma prisão constante, pois já não se pode mais brincar nas ruas como antes, sem preocuparem-se com a violência e o trânsito, pois as ruas que antes eram de barro, hoje são pavimentadas com sangue.
Pobres crianças ricas que desde cedo precisam de celulares para poderem se comunicar a qualquer instante com aqueles que antes tão próximos, hoje tão distantes : seus pais e familiares. Que tem que preocupar-se desde cedo com a competição tão acirrada do mercado e trocam a infância por valores tão corrompidos como a obrigação de conhecer os investimentos do mercado , saber todas as línguas quanto possível, conhecer informática e comunicação virtual, afim de garantir um amargo futuro onde descobre que a essência de suas virtudes se perderam , pois sua infância lhe fora roubada.

3 comentários:

priscila alves disse...

DURA REALIDADE NÃO É LÉO...MEU DEUS...DE FATO A INFÂNCIA FICOU TRISTE E VAZIA...MAIS O MUNDO SE TORNOU ASSIM TBM NÃO É....BELAS PALAVRAS....MANDA MAIS AÍ...RSRSRSRS...PRA EDIFICAR NOSSAS VIDAS...BJS

Cíntia Cristina disse...

Não passei por tantas fases como a sua ou a da minha mãe, mas hoje quando olho para trás vejo o quanto fui uma criança feliz, que pude participar dessas brincadeiras, das cantigas... hoje tenho dó das crianças, pois vivem sozinhas, isoladas em um quarto... na solidão... vivendo a vida de um adulto.
Acho que o mundo está desse jeito por falta de uma infãncia mais feliz... a tecnológia foi boa.. mas estragou a melhor parte da vida das pessoas a "infãncia"... Amei o texto... parabéns novamente.

Nice Souto disse...

é meninas, acho que uma boa saída seria usar a tecnologia sem espantar a infância